Ressocialização:
Como se faz?Luciana Campos
“A cada dia vencemos o interminável ciclo da ociosidade
e o descaso social”, disse a detenta Vanessa Rabelo ao ler
a carta aberta do grupo de teatro do presídio Nelson Hungria
(Bangu VII), na cerimônia de entrega dos certificados para
as 16 internas da unidade pela conclusão do curso de Iniciação
Teatral, no final do ano passado.
O curso de teatro faz parte do projeto de Extensão Roberto
Muniá de Jurisdrama da UFRJ, que é promovido pelo
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE)
da universidade. Atualmente, o curso é coordenado pelo professor
Hélios Malenbranche, também do CCJE. Além das
detentas, 12 internos da Casa de Custódia Wilson Flávio
Martins (Bangu V) também receberem certificados pela conclusão
do curso. Ambas as unidades prisionais ficam no Complexo Gericinó
(Bangu), na zona oeste do Rio.
À época da solenidade, o Decano do Centro de Ciências
Jurídicas e Econômicas da UFRJ (CCJE), professor Alcino
Câmara Neto, o Subsecretário Adjunto de Tratamento
Penitenciário, Eduardo Pires Gameleiro, o professor que ministrou
o curso, Fábio Samu, o coordenador do projeto de Extensão,
professor Hélios Malenbranche, além das diretoras
das unidades, Maria de Lourdes Figueira de Oliveira, de Bangu V,
e Sônia Maria de Oliveira, de Bangu VII, estiveram presentes
na entrega do certificado aos detentos de Bangu V. Por terem outros
compromissos, o Decano e o Subsecretário não puderam
ficar para a entrega dos certificados das internas de Bangu IV.
Realidade
“O sistema prisional brasileiro não resocializa ninguém”,
afirmou o interno Ricardo Sidney Perdigão, de 42 anos. Há
1 ano e 1 mês na Casa de Custódia Wilson Flávio
Martins por ter cometido um homicídio,ele foi um dos detentos
que concluiu o curso. Segundo Perdigão, fazer o curso é
uma oportunidade que se tem de suprir a ociosidade do dia-a-dia
de um presídio. O detento concluiu o segundo grau na cadeia
Milton Dias de Moreira, há 20 anos, quando esteve preso pela
primeira vez.
Outro interno, Wagner Raimundo, que também concluiu o curso,
disse que o teatro ajuda a modelar o caráter da pessoa, trazendo
um ponto de vista bom. Para ele, deveria haver mais trabalhos como
esse nos presídios, que permite aos detentos terem uma perspectiva
melhor para suas vidas.
Escolas nos presídios
Há no complexo de presídios de Bangu 11 escolas de
1° e 2 ° grau. “ Foi conseguido junto a Secretaria
de Educação recursos para a construção
da 12° unidade de ensino no sistema penitenciário”,
afirmou o Subsecretário Adjunto de Tratamento Penitenciário,
Eduardo Gameleiro. Segundo ele, há um projeto junto ao Ministério
da Educação que possibilita a entrada dos detentos
que concluíram o 2° grau em instituições
de ensino superior.
Sem preconceitos
“Tive que me despir de todos os preconceitos” disse
o professor de filosofia e teatro, Fábio Samu, ao falar sobre
as aulas do curso de Iniciação Teatral que ele ministra
para os internos de três unidades prisionais do Estado: Milton
Dias de Moreira (Complexo da Frei Caneca); Bangu V e Bangu VII.
O curso faz parte do projeto de extensão da UFRJ, o Jurisdrama,
um dos mais antigos da universidade. Ele foi idealizado e montado
por Roberto Muniá, funcionário do Centro de Ciências
Jurídicas e Econômicas (CCJE) da UFRJ, no final dos
anos 80.
Em 2003, Samu, que é ex-aluno do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, começou a trabalhar
com Roberto Muniá na resolução de questões
burocráticas da universidade. O falecimento de Muniá,
no mesmo ano, levou Fábio a participar do projeto Jurisdrama
a pedido do Decano do Centro de Ciências Jurídicas
e Econômicas (CCJE), professor Alcino Câmara Neto, que
não queria o fim do projeto.
O Jurisdrama também atende, gratuitamente, alunos da UFRJ.
Em 2004, foram formadas duas turmas de estudantes da universidade.
No ano passado, em 2005, serão formadas mais duas turmas,
disse Fábio.
Para os estudantes que estiverem interessados no curso de teatro
oferecido pelo projeto Jurisdrama, as inscrições já
podem ser feitas pelo site www.jurisdrama.ufrj.br. Serão
abertas duas turmas de 30 alunos cada. O processo seletivo contará
com apenas um etapa, uma prova de redação, que será
feita no dia 1° de abril de 2006, às 11h, na Faculdade
de Direito da UFRJ, que fica no Centro. O curso irá começar
dia 6 de maio e terá a duração de 6 meses .
As aulas serão ministradas sábados pela manhã,
de 9:00 ao 12:00hs, e à tarde, de 13:30 à 16:30hs.
Faltam recursos
A idéia do projeto era estender o curso de Iniciação
Teatral a quatro unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro.
Mas, por falta de financiamento, isto não foi possível,
afirmou Samu, que disse ter um projeto que está para ser
fechado com a Secretaria de Administração Penitenciária
(Seap), e a Secretaria Estadual de Cultura para que possa ser obtido,
por meio da Lei Ruanet para projetos culturais, financiamento. O
Estado jamais destinou qualquer tipo de financiamento ao projeto,
lembrou o professor do curso.
Reciprocidade
Fábio contou que, quando os detentos do Milton Dias de Moreira
(Complexo da Frei Caneca) descobriram que ele não recebia
pelas aulas que dava no presídio fizeram um manifesto, homenageando
o professor. Eles se ofereceram a doar sangue para o Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho (HUCFF). Porém, os detentos são
pessoas consideradas do grupo de risco acrescido e por isso, ficam
impedidos de fazerem doação sangue, falou Samu.
Veículo: Olhar Virtual/UFRJ, 31/03/2006, Ed. 107.